sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015
Uma imagem reveladora
Repercutiu em colunas de jornais a capa da revista The Economist em que o Brasil aparece retratado por meio de uma sambista que se debate num lodaçal. Imagens geralmente inscrevem mais do que escrevem, o que implica ambiguidades de sentido e possíveis interpretações diferentes. The Economist é uma revista semanal que se anuncia como guia de “inteligência global” para “seis milhões de pensadores de classe mundial”. Mas não é preciso tanto para se concluir que o episódio da escola de samba subvencionada pelo ditador da Guiné Equatorial, ainda por cima através de canais escusos, inscreve-se na imagem da capa da revista como metonímia do Brasil.
Para um país que, bem ou mal, se empenha em sua boa representação no cenário internacional, a imagem é um importante instrumento conceitual. Disso não se dão bem conta os dirigentes atolados em suas próprias estatísticas como se a quantificação fosse reveladora da realidade que governada, quando não passa de um único nível de formalização da atualidade histórica. Por mais útil que seja à governança e a eventuais políticas públicas, a estatística (literalmente, significa “figura de Estado”) é como “o sapateiro que não deve ir além do sapato”, para se evocar um velho ditado latino. Nas palavras do francês B. Lussato, “querendo formalizar a vida, nós nos arriscamos a traduzir apenas o seu ruído e a sua sombra”.
Na verdade, a linguagem quantificadora e abstrata – a mesma que rege os ajustes fiscais como panaceia social – não apenas traduz, mas principalmente deixa na sombra aspectos importantes da imperfeição da dinâmica societária, característicos de todo e qualquer país, porém muito relevantes no momento que o Brasil atravessa. Que momento? Esse marcado pelo índice elevado de corrupção em todos os quadrantes e pelo índice rasteiro de autoestima pública. A corrupção pode ser medida por números, mas a autoestima transparece apenas em índices não-lógicos, em dados que estruturam fortemente a atividade humana, mas que não podem ser reduzidos a nenhuma estatística, ou seja, a nada que corresponda ao discurso dominante dos dirigentes.
A “sombra” social tem de ser apreendida, portanto, nos fragmentos de ações e de discursos, registrados pela mídia, porém geralmente sem as conexões devidas entre eles. Por exemplo, é sombria a labilidade da conscientização que se espera de atitudes ou declarações por parte de sujeitos supostos de responsabilidade política-jurídica-moral
Fonte: Observatório da Imprensa
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